13 de março de 2006

Copiar a Globo deu certo !

Acompanhe a briga pela audiência e os números de investimento na mídia, reportagem retirada da revista EXAME/Março 2006:


Desde que foi comprada pelo bispo Edir Macedo, nos idos de 1989, a Rede Record apostou numa fórmula própria de programação. A emissora alternava programas recheados de atrações populares (a maioria de qualidade duvidosa) com outros de forte conteúdo religioso. Essa combinação, inventada pelos homens que comandavam a Igreja Universal, nunca deu grandes resultados. Durante mais de uma década, a Record permaneceu estagnada na terceira posição do ranking de audiência e com um tímido faturamento publicitário. Há pouco mais de um ano, já sob a influência de executivos contratados no mercado de mídia, a emissora partiu para uma nova estratégia: abandonou a tentativa de inovar em conteúdos para copiar assumidamente a Rede Globo de Televisão -- líder do mercado brasileiro de emissoras abertas e referência internacional de qualidade nessa área. Por enquanto, a troca vem funcionando. O faturamento publicitário subiu 40% em um ano -- hoje está na casa dos 700 milhões de reais -- e algumas das novas atrações chegam a competir em audiência com os programas da Globo. "As pesquisas mostravam que o público queria atrações de qualidade. Boas novelas, jornais e programas de entretenimento", diz Alexandre Raposo, presidente da Record. "Paramos de brigar contra o óbvio."

O último grande lance dessa nova estratégia foi a reformulação do Jornal da Record. Durante oito anos, a emissora entregou o comando de seu principal telejornal ao experimentado jornalista Boris Casoy, conhecido pelo bordão "Isso é uma vergonha". Com Casoy, que tinha por hábito comentar as notícias veiculadas, os índices não ultrapassaram os 5 pontos de audiência no ano passado. Os executivos da Record resolveram então mudar por completo o perfil do telejornal. No lugar de Casoy, escalaram Celso Freitas, que durante seis anos foi apresentador do Jornal Nacional. Além de Freitas, a Record contratou Adriana Araújo, ex-repórter da sucursal de Brasília da Globo, e mais duas dezenas de jornalistas e produtores -- a maioria deles vinda da concorrente. Quem assistiu ao telejornal percebeu que qualquer semelhança com o programa de William Bonner e Fátima Bernardes não é mera coincidência. Além de profissionais que já traba lharam na rival, a Record mudou o cenário, o modo de apresentar, o figurino e a produção gráfica de todo o programa. Nos primeiros dias, a média de audiência ficou sempre acima dos 10 pontos (o dobro dos tempos de Casoy) e com picos superiores a 20 pontos.

O investimento total para copiar a programação da Globo já está em torno de 100 milhões de dólares. Além do jornalismo, a Record vem colocando dinheiro em outro pilar importante para a sua imitação da emissora carioca: a produção de novelas. O maior desembolso foi a compra, por 15 milhões de dólares, dos estúdios de Renato Aragão, localizados em um terreno que fica em frente ao Projac, o enorme complexo onde são feitas as gravações das novelas da Globo no Rio de Janeiro. Também foram contratados dezenas de profissionais, roteiristas e atores, que freqüentaram as produções globais num passado recente. Um deles é a atriz Lavínia Vlasak, estrela de Prova de Amor, um dos maiores sucessos dessa nova fase da Record. Em janeiro, a novela conseguiu a proeza de tirar o Jornal Nacional da liderança de audiência. Foram poucos minutos, é verdade, mas o efeito psicológico dessa conquista agitou o mercado publicitário. "No geral, eles ainda estão mais próximos da Bandeirantes do que da Globo. Mas desempenhos como esse têm um importante apelo de marketing", diz Daniel Barbara, diretor comercial da agência de publicidade DPZ e um dos maiores especialistas em mídia do país.

Barbara se refere ao descompasso que existe entre a receita publicitária que a Record vem obtendo e a sua audiência média. Quando se analisa toda a grade de programação, nota-se uma grande diferença entre os números da Record e da Globo. A audiência média da Globo é de cerca de 35 pontos. Em segundo lugar, bem atrás, ainda está o SBT, com audiência de 8 pontos -- o mesmo desempenho da Record. Mas, se a audiência diária ainda não sofreu grandes modificações (com exceção de alguns poucos exemplos), o impacto no mercado publicitário é concreto. Nos últimos 12 meses, o preço de um comercial de 30 segundos no horário nobre da Record -- o período mais lucrativo da grade -- subiu 66%. Foi, de longe, a maior valorização entre todas as emissoras de sinal aberto do Brasil (veja quadro). No caso da novela Prova de Amor, que compete com a global Belíssima, o salto é ainda mais impressionante. Uma inserção de meio minuto nos intervalos da novela que a precedeu custava 64 000 reais em março do ano passado. No próximo mês, passará a custar 167 000 reais -- aumento de 160%.

Na Globo, os bons resultados da Record são vistos com um misto de ceticismo e tranqüilidade -- o que é perfeitamente compreensível. Outras emissoras já tentaram enfrentar a líder do mercado no passado e nada conseguiram. Anos atrás, a Rede Manchete, por exemplo, alcançou ótimo desempenho com a novela Pantanal. Na ocasião, a emissora chegou a montar uma produção consistente de telenovelas, mas nunca repetiu o sucesso da primeira produção. O SBT faz investidas de tempos em tempos. A última delas foi a contratação da apresentadora Ana Paula Padrão, uma das estrelas do telejornalismo global. Diferentemente do SBT, a Record parece ter uma meta única e de longo prazo. Boa parte de seus executivos, muitos vindos dos concorrentes, tem contrato até 2012. Mas não se sabe até quando os telespectadores vão responder positivamente a essa estratégia. "A história mostra que cópias não costumam dar certo porque o telespectador prefere ficar com o original", diz Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação.

O fato é que não basta copiar as empresas líderes e contratar seus melhores talentos para que um negócio se torne imediatamente bem-sucedido. Muito utilizada no mundo empresarial, essa estratégia sofre todo o tipo de dificuldade para ser implementada -- e, muitas vezes, não se sustenta por muito tempo. O momento inicial costuma ser o mais fácil. Depois, a adaptação torna-se complicada porque a cultura que existia até então naquela empresa passa a se chocar com os hábitos trazidos pelos funcionários da companhia que se quer copiar. É uma batalha que costuma gerar insatisfação de ambos os lados. Além disso, é muito difícil manter esse processo de maneira contínua. Até por razões financeiras, não dá para buscar os talentos do concorrente indefinidamente. Em algum momento, as pessoas que vêm de fora precisam forjar uma nova cultura dentro da nova casa. No caso da Record, dinheiro não é exatamente um problema. A Igreja Universal, do bispo Edir Macedo, é fonte de renda cativa para a emissora. Cerca de 15% do faturamento da emissora, ou cerca de 100 milhões de reais por ano, vem de horários comprados pela igreja. Mas para conquistar a liderança entre as emissoras abertas (o objetivo da Record) o dinheiro dos fiéis não será suficiente. Outros anunciantes -- de qualquer religião -- precisam acreditar no projeto.

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